As telas nos tornaram como Narciso
Impacto das redes sociais na nossa autoestima e a relação performática do uso das telas.
O mito de Narciso — aquele que se encanta de tal forma com sua própria imagem que, ao ver seu reflexo na água, acaba afundando — nos serve como uma potente metáfora.
Vivemos em uma sociedade obcecada por beleza, estética e autopromoção. As redes sociais são o reflexo mais cruel dessa obsessão. Elas escancaram nossa relação com o eu e com o outro. Basta abrir o Instagram para ver uma enxurrada de comentários negativos sobre alguém, ódio gratuito por motivos fúteis e uma performance inacreditável para tirar uma simples fotografia ou vídeo — tudo isso apresentado como “natural” e “autêntico”. Mesmo quando, para essa “foto espontânea”, houve uma produção digna de Hollywood.
A cultura das redes sociais afeta diretamente a forma como nos sentimos e nos representamos. Tudo gira em torno de um egocentrismo disfarçado de autenticidade. Cada um se sente protagonista. Cada um acredita ter o direito de ocupar um espaço. Mas, paradoxalmente, isso não aprofunda a conexão com o outro. Quantas vezes você não entrou no TikTok, assistiu a um vídeo curto de uma garota bonita, e, ao abrir os comentários, viu tudo girando em torno do espectador?
“Olhei e me comparei”
“Queria eu ser assim”
“Esse vestido não ficou bom em mim!”
Essa geração — segundo dados do Instituto Paulo Montenegro, onde 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são considerados analfabetos funcionais (2018) — é ao mesmo tempo ultra conectada e incapaz de compreender criticamente o conteúdo que consome. Estamos exaustos, ansiosos e perdidos em nós mesmos. Somos, muitas vezes, falsos.
A “foto autêntica” é copiada e reproduzida em massa por criadores de conteúdo. A “espontaneidade” virou performance cronometrada, feita para prender atenção e monetizar. Uma simples frase mal interpretada vira caos nacional, sem base ou reflexão — pois tudo fere, tudo é “problemático”, e tudo virou espetáculo.
Fingimos o tempo todo: fingimos nos importar, fingimos ser felizes, saudáveis e bonitos. Essa teatralidade esvazia a vida real. As telas pretas que carregamos nas mãos são nosso espelho de Narciso. Ficamos obcecados com nossa imagem, nossos corpos, nossos comportamentos. Não valorizamos o natural. Não gostamos de fotos tiradas espontaneamente, sem pose, sem maquiagem, sem a “cara de desinteresse”.
Eu — não sei vocês — mas estou cansada dessa encenação constante. Entrar no TikTok ou Instagram é ver uma multidão mascarada: todos com o mesmo rosto, corpo, roupa, corte de cabelo, pose, feed “aesthetic” e uma vid—
Perfeitamente cortad—.
Quando tudo gira em torno do “eu”, como vemos o outro? Como desenvolvemos empatia? Como lutamos, de fato, contra injustiças sociais? Não lutamos. Apenas usamos hashtags, trends e reposts. Segundo Bauman (2001), vivemos em uma “modernidade líquida” onde as conexões são frágeis e superficiais — e temo que essa lógica esteja contribuindo para o crescimento do conservadorismo (mas isso é assunto para outro artigo…).
Essa obsessão com o “eu idealizado” torna nossa autoestima refém da validação alheia. Mesmo enquanto dizemos: “sou a main character, it girl, confident vibes”, dependemos de filtros, likes e comentários para acreditar nessa ilusão. Somos confiantes — ou apenas interpretamos o papel em alta?
A linha que separa o “eu real” do “eu online” se tornou líquida e confusa. Não questionamos mais nossos gostos, nossos comportamentos ou nossas próprias verdades. Enquanto nos apresentamos como pessoas resolvidas e glamourosas na internet, os dados mostram um aumento alarmante de transtornos mentais entre jovens: depressão, ansiedade e distúrbios alimentares são cada vez mais comuns (UNICEF, 2021).
Precisamos parar de fingir. A vida não precisa ser performance. Podemos apenas sorrir? Em vez de fazer cara de tédio porque é mais “cool”? Podemos beber um café gostoso numa cafeteria simples, sem tirar uma foto perfeita para o Instagram?
Somos uma geração de Narcisos — obcecados, egocêntricos e solitários. E, assim como ele, estamos nos afogando no reflexo de uma imagem que nunca foi real.
Obrigada por ler até aqui ! ☕️
Everything is performance by sua diva que pensa demais.